EM DEZ ANOS A MINHA LÍNGUA ANCESTRAL, O RIOGRANDENSER HUNSRÜCKISCH*,
IRÁ COMPLETAR DUZENTOS ANOS DE EXISTÊNCIA
*é difícil demais pra você pronunciar? então diga Hunsriqueano Riograndense
NO DECORRER dos anos de vida no exterior, eu sempre me senti, em muitos sentidos, um brasileiro diferente dos/das demais compatriotas (sendo a vastíssima maioria destas pessoas não naturais do sul de nosso país, e praticamente todas nunca foram e nem conheceram o Brasil meridional). Em situações onde houve contato entre brasileiros/as e norte-americanos/as das quais participei, desde encontros estudantís em tempos de universidade, festinhas de empresa, ou mesmo na informalidade de clubes noturnos, repetiram-se ao longo dos anos certas posturas negativas quanto a minha identidade regional, linguístico-cultural, como queira, talvez especialmente por eu ter o, e estar consciente do, meu dialeto alemão Riograndenser Hunsrückisch como minha língua ancestral; mas tendo sempre, e justamente, tratado como algo igualmente meu a minha língua pátria, meu falar do coração lado-à-lado à nossa língua nacional – aliás como ela era chamada tanto oficialmente como na prática no sistema escolar nos meus tempos de escola. Preciso dizer, eu tenho dois lados, um é tímido, fica no cantinho pra não ser notado, concorda com tudo que vai ser melhor – isto talvez resultado das “boas” e frequentes surras que levei de meu meu pai quando menino; mas mais do que isso, certamente, foi minha realização quando ainda em tenra idade, de que havia algo remarcavelmente diferente em mim, mit mir, mich, sellebst, ganz ganz tief in mei Herz, mei Brust, mei Mooche, ora wie man uff Hochdeitsch säht, mit meinem Dasein (awer, ich sin immer mit meinem Dasein zufrieden gewess, ich muss eich das soohn!). Por outro lado, no decorrer de minha vida, eu aprendi a me abrir, me jogar, falar o que sempre quis dizer, fazer coisas que naturalmente eu sempre quis fazer … mas que até certa altura de minhas vivências eu não tinha me permitido – certas coisas então, nem pensar! Pois bem, anos atrás, enquanto em situações social- e culturalmente mistas, eu cedia bem-treinadinho ao chauvinismo nacionalista e totalitário de meus/minhas compatriotas … Não mais, isso agora de já faz um bom tempo! Nessas ocasiões, acima, quando estrangeiros me diziam coisas como: Sou americano, morei no Rio/Recife/Bahia, você absolutamente não tem nem cara e nem sotaque de brasileiro – Minha resposta sempre era tipo, tenho sim, o Brasil é quase um continente de grande, obviamente você ainda não conheceu o sul; ou algum escandinavo me dizia algo como: Estranho, mas você tem um sotaque suave igual a nós quando fala o inglês … Bastava eu reagir, expandir minha conversa, explicando, dizendo que boa parte do sul fez parte do projeto de colonização do Império do Brasil, as pessoas não se isolaram por algum motivo excêntrio ou macabro … mas foram calculadamente colocadas em terras consideradas devolutas, abrindo zonas inteiras de povoados e municípios em regiões onde, por exemplo, não habia interesse pelos latifundiários gaúchos pois ali não dava pra criar gado – em consequência destes desenvolvimentos históricos hoje que lá há milhares de pessoas que são, em seu dia-à-dia, pessoas bilíngues … Aí, praticamente sem falha, meus/minhas con-terras apropriavam-se da conversa, para fazer valer a doutrina de identidade nacional brasileira (com conotações de classificação, de triagem, de hierarquias – em outras palavra, nada democrático; e insistentemente ignorante) São coisas que eu então me sentia quase que obrigado a aturar, calando-me, retraíndo-me, eram mais ou menos nestas linhas: Ah mas o que eles falam de alemão lá no sul, aquilo ninguém da Alemanha entende, não é mais nem uma mistura de português com alemão, não é nem mais uma língua, nem mais um patuá … (DESDE QUANDO VOCÊ É UM EXPERT NA MINHA LÍNGUA, FALA EM ALEMÃO, DEIXA EU OUVIR – isso é o que eu devia ter feito, mas não, a gente foi praticamente treinado a baixar a crista, ceder, apaziguar, concordar contra a sua sã consciência, infelizmente). Isto quando não faltava algum espertinho pra perguntar quantos prêmios nobel de literatura tinha saído de minha “cultura”. Na maioria dos casos, os/as norte-americanos/as, e olha lá hein, não só os/as canadenses, talvez por não terem perdido em absoluto o seu elo com a cultura britânica, calculadamente mas não sem a maior sutilidade, mudavam de assunto. Se você é uma daquelas milhares de pessoas de meu país que não conhece o nosso regionalismo linguístico, o qual nós mesmos vêmos não como postiço, alienígena, e carecendo legitimidade, mas sim como autêntico e inquestionavelmente brasileiro, eu gostaria de recomendar a você um texto de Erich Fausel: “O alemão falado no Rio Grande do Sul e suas transformações”.